DOM CARLO MARIA CARDEAL MANCINI
POR MERCÊ DE DEUS E PROVIDÊNCIA APOSTÓLICA
CARDEAL-BISPO DI PALESTRINA
PREFEITO DA SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ
INSTRUCTIO PASTORIS VIRTUTISQUE
SOBRE O SACRAMENTO DA PENITÊNCIA EM AMBIENTES VIRTUAIS
A vós, irmãos, paz e fé da parte de Deus, o Pai e do Senhor Jesus Cristo.
O dinamismo do tempo presente interpela a Igreja a discernir, com sabedoria e coragem, os sinais dos tempos impressos também nas novas formas de comunicação e convivência humana. Entre estas, a realidade virtual e os ambientes digitais configuram-se como novas fronteiras pastorais, onde se movem, dialogam e sofrem milhões de fiéis, sobretudo os jovens, frequentemente marcados por solidão, angústias existenciais e carência de sentido. A virtualidade, embora careça da materialidade necessária à vida sacramental, não é um espaço isento de valor pastoral. Pelo contrário, pode tornar-se lugar privilegiado para o exercício da escuta, do aconselhamento e da presença misericordiosa da Igreja, como rosto visível de Cristo, que jamais abandona o rebanho disperso.
Na esteira do Jubileu Ordinário do Ano de 2025, solenemente proclamado pelo Sumo Pontífice como Annus Iubilaei Spei, esta Instrução deseja inserir-se como contribuição doutrinal e pastoral à missão da Igreja de levar a esperança aos confins da existência humana, inclusive naqueles âmbitos menos visíveis aos olhos do mundo, mas profundamente reais para a alma humana. O aconselhamento oferecido nesses espaços, ainda que desprovido da graça sacramental, pode ser instrumento de consolo e início de um caminho de retorno à comunhão eclesial. A escuta compassiva, o olhar que não julga, a palavra que orienta, a mão que levanta: tudo isso constitui uma pastoral da esperança, um exercício de caridade sacerdotal que encontra no coração do Bom Pastor sua fonte perene.
Com este espírito, a Congregação para a Doutrina da Fé oferece à Igreja esta Instrução Pastoral, para que o ministério da misericórdia se estenda, com prudência e ardor, também àqueles que, nas encruzilhadas digitais da existência, aguardam uma voz que os compreenda e uma presença que os acompanhe.
CAPUT I
DA REALIDADE VIRTUAL COMO CAMPO PASTORAL
A realidade virtual, com todas as suas limitações e distâncias ontológicas em relação à vida sacramental da Igreja, não é um espaço sem alma. Antes, é um território habitado por pessoas reais, com dramas reais, sofrimentos silenciosos e esperanças por vezes vacilantes. Muitos ali se refugiam não por evasão frívola, mas porque carregam pesos invisíveis que não encontraram compreensão no mundo que os cerca. Não raro, jovens marcados por feridas afetivas, inquietações existenciais, desajustes emocionais ou transtornos psíquicos buscam na virtualidade uma forma de ser ou um lugar onde não sejam julgados, onde possam existir com menor dor. A Igreja, que é mãe e mestra, é chamada a estar presente também neste novo átrio dos gentios, como presença discreta e luminosa, não para impor, mas para oferecer um lugar de escuta, onde se semeie a esperança e se inspire o retorno à vida.
CAPUT II
DO CARÁTER HUMANO E TERAPÊUTICO DA CONFISSÃO VIRTUAL
O Sacramento da Penitência, que na realidade visível opera pela ação da graça e do Espírito Santo mediante o ministro ordenado, não pode ser validamente celebrado em ambiente virtual. Todavia, o rito simbólico da confissão, ainda que privado da eficácia sacramental, pode tornar-se, neste contexto, um poderoso instrumento de acolhida, de escuta e de direção espiritual. O sacerdote que ouve, aconselha e orienta um penitente na realidade virtual, mesmo que sem poder conferir a absolvição sacramental, realiza um ato profundamente eclesial e pastoral, pois se torna sinal da misericórdia de Deus, educador das consciências, companheiro na dor e servidor da esperança. Não se trata de relativizar os sacramentos, mas de compreender que onde a absolvição não pode ser dada, o perdão pode ainda ser anunciado, a dignidade pode ser restaurada, e a alma pode ser reconduzida ao caminho do bem. O ato de aconselhar, em si, é manifestação do coração sacerdotal configurado a Cristo Pastor, que não se cansa de ir ao encontro da ovelha ferida. A escuta sincera e compassiva permite ao penitente sentir-se compreendido e acolhido, e muitas vezes é o primeiro passo para que ele próprio reordene sua vida interior, desfaça nós emocionais e reanime a chama da fé. O aconselhamento, quando guiado pela luz da Palavra e nutrido de oração, pode transfigurar-se em verdadeiro bálsamo espiritual, especialmente para aqueles que jamais ousariam abrir o coração fora do véu protetor da virtualidade.
CAPUT III
DA ESPERANÇA COMO MISSÃO PASTORAL VIRTUAL
No coração do Jubileu da Esperança ressoa o clamor de tantos que perderam o sentido da vida, a confiança nos outros ou a fé em si mesmos. A realidade virtual é, em muitos casos, o último abrigo de quem já não ousa abrir o coração na vida visível. A nós, pastores da Igreja, cabe ir ao encontro desses irmãos escondidos nas tramas digitais, não com discursos duros, mas com palavras que curam, com presença que consola, com uma escuta que não julga, mas compreende. Ser padre na realidade virtual é ser presença de Cristo em territórios não consagrados, é tornar-se voz da Igreja onde ela ainda não é celebrada, é levar a esperança onde ela já não arde. Neste sentido, a escuta penitencial deve ser acolhedora, discreta, marcada por empatia e linguagem acessível, libertando o fiel da rigidez formal e conduzindo-o à liberdade interior dos filhos de Deus. A direção espiritual, o aconselhamento humano, a partilha da dor e o compromisso com o recomeço são, neste campo, verdadeiras expressões de caridade pastoral. Em tempos em que a esperança se vê obscurecida por crises de identidade, solidão crônica e enfermidades da alma, o sacerdote deve ser promotor da esperança como virtude teologal e como estilo de presença. Esperança não como expectativa vaga, mas como certeza de que cada vida, mesmo ferida, pode florescer novamente à luz de Cristo. O aconselhamento se converte, assim, em ministério da escuta e da ressurreição interior, onde se cultiva pacientemente a confiança, se planta a semente da reconciliação e se oferece ao penitente a certeza de que não está só, de que há um sentido, e de que a mão de Deus, mesmo invisível, nunca o abandonou.
CAPUT IV
DA CONFIGURAÇÃO DOS ESPAÇOS VIRTUAIS DE ESCUTA
É de grande importância que os espaços dedicados ao acolhimento dos fiéis na realidade virtual sejam pensados com espírito pastoral. Que não sejam frios ou impessoais, mas portadores de beleza, silêncio e acolhida. Que os confessionários ou salas de escuta virtual tenham dignidade estética, que inspire confiança e respeito. Que o diálogo se dê com palavras acessíveis, livres de legalismos, e que o ambiente favoreça o sigilo, a interioridade e a paz. Que se incentivem momentos comunitários de reflexão sobre a misericórdia, celebrações penitenciais simbólicas e catequeses sobre o perdão e a vida nova. Que a linguagem usada pelos ministros seja pontuada por ternura e firmeza, sem moralismos, mas com verdade e esperança. Cada penitente que se aproxima traz consigo um abismo, e é dever do pastor descer até ali com a luz do Ressuscitado. Os presbíteros que operam nesses espaços devem ser formados para a escuta paciente, para a compreensão dos dramas psicológicos contemporâneos, e para o ministério da presença compassiva. Que os confessionários virtuais sejam mais do que janelas de desabafo: sejam verdadeiras tendas do encontro, onde Cristo, através do sacerdote, cura sem ferir, escuta sem julgar, orienta sem impor, consola sem banalizar.
EXORTAÇÃO FINAL
Não absolvais em nome da Igreja, pois não estais investidos da potestade sacramental neste meio. Mas amai, escutai, consolai. Sede, ainda assim, reflexo da misericórdia divina, presença viva de esperança. Pois mesmo que estejais em um território de códigos e imagens, tocais almas reais, e com elas caminhais rumo à eternidade. O ambiente virtual é terra de missão. Que cada confissão virtual seja um novo Cenáculo onde a esperança se acenda, e cada sacerdote, um novo Cireneu que carrega, com o penitente, a cruz da sua história.
Dado em Roma, junto à Sé da Congregação para a Doutrina da Fé, sob o amparo da Sede Apostólica, no ano do Senhor de dois mil e vinte e cinco, no tempo jubiloso em que a Santa Igreja proclama a Esperança como luz nas trevas do mundo, no oitavo dia do mês de abril, sob o patrocínio da Bem-Aventurada Virgem Maria, Mater Misericordiæ.
+ Carlo Maria Mancini
Praefectus Congregationis pro Doctrina Fidei

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